Por Sheila Sacks
Publicado no "Correio do Brasil"
Em maio deste ano foi lançada uma campanha global para a libertação imediata de sete líderes da Fé Bahá’í, presos há noves anos no Irã, acusados de serem inimigos do Islã. O chamamento intitulado “Outro Ano, Não” pretende pressionar o governo de Teerã a libertar os cinco homens e duas mulheres condenados inicialmente a vinte anos de prisão. Com a redução da sentença, em 2015, para dez anos, por conta da aplicação de um novo código penal iraniano, o apelo é para que o grupo seja solto ainda este ano.
A comunidade internacional Bahá’í congrega mais de 5 milhões de adeptos em mais de 160 países, notadamente na Índia e no Irã. No Brasil, são mais de 65 mil pessoas de diferentes classes sociais, culturais e econômicas residentes em 1.300 municípios, do norte ao sul do país. Suas ações são direcionadas para os campos do diálogo inter-religioso e da promoção da igualdade racial, trabalhando em parceria com ONGs e instituições governamentais pela defesa dos direitos humanos, do desenvolvimento sustentável e da boa governança.
Uma fé perseguida
De acordo com o site oficial da comunidade Bahá’í, a sua fé é uma
religião mundial independente, com leis próprias e escrituras, surgida na antiga
Pérsia, atual Irã, em 1844. Foi fundada por Bahá’u’lláh (do árabe ‘A glória de
Deus’), título de Mirzá Husayn Ali (1817-1892), e não possui dogmas, rituais,
clero ou sacerdócio. Sua sede permanente está localizada no Centro Mundial
Bahá'í, na cidade de Haifa, um dos motivos da perseguição aos seus fiéis
residentes no Irã, acusados de serem agentes pró-Israel e inimigos do Islã. No
entanto, muito antes da existência do estado de Israel, a Fé Bahá’í estava
presente naquele território. Isso porque os seus fundadores foram exilados e
presos na colônia penal de Acre, na então Palestina, em 1868, 80 anos antes da
independência de Israel, ocorrida em 1948.
Vítimas de perseguições, os bahá´ís
foram obrigados a deixarem o Irã, principalmente na década de 1950, durante o
governo do Xá Reza Pahlevi, intensificando o êxodo a partir de 1979, com
a instalação da República Islâmica do Irã, do Aiatolá Khomeini. Nesse regime
teocrático e fundamentalista, os bahá´ís iranianos são acusados de “infiéis” e
“hostis”, e a sua comunidade de mais de 300 mil pessoas vive em permanente
estado de opressão e precariedade religiosa, social e jurídica.
Em sua página oficial, a Fé Bahá’í
descreve a situação crítica de seus adeptos no Irã, considerados inimigos do
Estado: “Desde a
revolução, mais de 220 líderes da comunidade bahá’í foram mortos, locais
sagrados demolidos, jovens expulsos de universidades, crianças maltratadas nas
escolas, cemitérios destruídos, além da perda do direito ao trabalho, às
pensões e aposentadorias.” Outro fato inédito a destacar é que os acusados não
podem ter advogado de defesa.
Em razão dessa situação dramática, cerca de
uma centena de bahá'ís iranianos receberam refúgio no Brasil na década de 1980.
Eles se juntaram à comunidade bahá’í brasileira, cujo início remonta ao ano de
1921, quando da instalação do primeiro grupo bahá’í na cidade de Salvador, na
Bahia.
Apelo Universal
Quando do lançamento da campanha pela
libertação dos sete religiosos, a principal representante da Comunidade Internacional
Bahá’í nas Nações Unidas, a advogada indiana Bani Dugal, exaltou a coragem do
grupo e o sofrimento de suas famílias. “A nossa expectativa é que estes sete
corajosos indivíduos sejam libertados até o próximo ano, ao completarem as suas
penas, apesar de que, na verdade, eles não deviam sequer ter sido
presos.”
A representante fez, ainda, um relato
dramático da situação dos condenados: "Os sete eram casados, com crianças,
e antes de serem presos tinham vidas familiares muito queridas. Os sete eram também extremamente ativos e trabalhavam pela melhoria da
sua comunidade e da sociedade iraniana como um todo. O longo período de prisão
implicou, entre outras coisas, que perdessem o nascimento de netos, os
casamentos dos filhos e parentes próximos, e os funerais de familiares e
amigos."
Além dos sete Yaran (‘Amigos
que ajudam’), como é conhecida a liderança bahá’í, mais 86 outros fiéis
permanecem presos no Irã unicamente pelas suas crenças religiosas. Em 2009,
após anos de luta na defesa dos bahá’í e contínuas
ameaças de morte, a juíza iraniana Shirin Ebadi, Prêmio Nobel da Paz de 2003,
teve que procurar refúgio na Inglaterra. “De fato, toda a comunidade bahá’í
iraniana está sujeita à injustiça e crueldade, à opressão e tirania“ reforça
Bani Dugal. ”Todos enfrentam políticas injustas de estrangulamento econômico, a
negação de acesso ao ensino superior, e ataques maliciosos – que as autoridades
não investigam - contra as suas propriedades, para não mencionar uma intensa
propaganda negativa nos meios de comunicação oficiais”, acrescenta.
Em comunicado oficial, a “Casa
Universal da Justiça”, instituição máxima da Fé Bahá’í, instalada no Monte
Carmel, em Haifa, atribui ao “fanatismo rígido” dos dirigentes iranianos a
conduta “irracional” de sufocar a minoria bahá’í, utilizando-se de “políticas
tacanhas” que minam a credibilidade do país na esfera internacional. Composta
por nove membros eleitos a cada cinco anos, a instituição exerce funções
legislativa e jurídica, publica livros e documentos e administra todas as
questões mundiais da fé em questão.
Os presos e suas famílias
Há dois anos, a jornalista nascida em
Angola, Margarida Santos Lopes, que foi editora internacional do jornal
“Público”, de Lisboa, e é especializada em assuntos que envolvem o Oriente
Médio e o Islã, publicou em seu blog um texto em que registra o perfil
biográfico dos presos ( ‘Bahá’ís: Perseguidos no Irão, nem sempre amados
em África’, em maio de 2015). De início, ressalta a detenção de
Mahvash Sabet, de 64 anos, professora e responsável durante quinze anos
pelo Instituto Bahá’í do Ensino Superior (atualmente fechado) onde lecionava
Psicologia e Gestão. A organização educacional era uma alternativa acadêmica
aos jovens bahá’ís proibidos de frequentar universidades nacionais.
Relata a jornalista que em 5 de Março
de 2008, Sabet foi convocada pelo Ministério da Segurança, na cidade de Mashad,
para responder a questões relacionadas com um funeral bahá’í. “Foi o início de
uma campanha que levaria para a infame penitenciária de Evin, es filhos; o empresário Jamaloddin Khanjani, 81 anos (a sua mulher morreu em 2011, mas em Terã, todos os
sete Yaran , detidos nas suas casas, na capital, em 14 de
maio, afirma.
Lamentavelmente, a jornalista que tem
uma posição bastante crítica em relação ao estado de Israel e que esteve
recentemente no Irã para a revista de viagens “Volta ao Mundo”, não cita os
bahá’is na interessante reportagem de exaltação à beleza natural, arquitetônica
e histórica do país, apesar de detalhar um roteiro que inclui a localização dos
vários grupos étnicos e religiosos que habitam a região ( ‘Uma viagem ao Irã que nunca viu’, em 19 de junho de 2017).
No entanto, os bahá’is são a maior
minoria religiosa do Irã e seus líderes estão presos desde 2008 acusados pelo
regime islâmico de espionagem e “corrupção na Terra”, crimes punidos com a pena
de morte.
Sem provas
Para o Centro de Defesa dos Direitos
Humanos do Irã, com sede em Londres, não há provas para condenar nenhum dos
sete religiosos. Fundado e presidido por Shirin Ebadi, 70 anos, primeira mulher
muçulmana a receber um prêmio Nobel, a organização luta por uma maior
conscientização dos direitos humanos no Irã, denuncia suas violações e dá apoio
às famílias vítimas de perseguições política e religiosa.
A própria Shirin Ebadi é um exemplo da
impiedade do regime fundamentalista do Irã. Juíza em Teerã, perdeu o cargo em
1979, logo após a revolução islâmica, sendo destituída da função porque as
mulheres foram proibidas de conduzir julgamentos. Rebaixada a simples
funcionária do mesmo tribunal onde era presidente, ela começou a advogar em
defesa de ativistas políticos, jornalistas perseguidos e dos sete líderes
bahá’ís, atividades que levaram ao seu encarceramento.
Em 1999, Ebadi ficou quase um mês presa
em confinamento na prisão de Evin, acusada de perturbar a ordem pública. Foi
condenada a um ano e meio de prisão e impedida de exercer a sua profissão por
cinco anos, mas a pressão internacional fez o governo reduzir a pena para uma
multa. Em 2008, o escritório que mantinha como centro de defesa de direitos
humanos foi fechado pelas forças de segurança iranianas e o imóvel confiscado.
No ano seguinte, com o agravamento das tensões políticas no Irã e as
continuadas ameaças de morte, ela optou pelo exílio.
Em 2011, em visita ao Brasil para
participar do encontro “Fronteiras do Pensamento”, em Porto Alegre, a ex-juíza
iraniana denunciou mais uma vez a situação de violação dos direitos humanos no
país. “No Irã, quem se opõe ao governo é preso. Muitos dos meus amigos estão na
prisão e há relatos de assassinatos de prisioneiros políticos.” Ebadi é autora
de vários livros, entre eles “Iran Awakening” (O despertar do Irã), publicado
em 2006, e “Until we are free” (Até que sejamos livres), de 2016.
Causa Bahá’í na ONU
Outro importante combatente da causa Bahá’í é o diplomata originário das
Ilhas Maldivas, Ahmed Shaheed, relator especial da ONU sobre a situação dos
direitos humanos no Irã. Eleito para o cargo, em 2011, pelo Conselho de
Direitos Humanos das Nações Unidas, Shaheed, que vive na Inglaterra, foi
reeleito pela sexta vez, no ano passado. Sua principal missão é lutar pela
proteção dos direitos humanos nas sociedades islâmicas, apoiando a liberdade de
religião e a abolição da pena de morte. Proibido pelas autoridades iranianas de
visitar o país (desde 2005 o governo de Terã proíbe a entrada de peritos
internacionais), ele emite comunicados periódicos à imprensa internacional
pedindo a libertação “incondicional e imediata” dos sete líderes bahá’ís.
No Brasil, a posição do governo é de abstenção nas votações nos fóruns
internacionais quando o tema é sobre as violações de direitos humanos no Irã. A
atitude se consolidou, a partir de 2001, e o Itamaraty justifica o voto
afirmando “dispor de informações que apontam avanços na situação dos direitos
humanos no país”. Mas, o motivo real é evitar qualquer abalo econômico na
relação entre os dois países que, em 2016, realizaram trocas comerciais no
valor de 2 bilhões de dólares.
Também desde 2015 o Brasil mantém seu voto de abstenção à renovação do
mandato do relator especial para o Irã, no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Porém, o mais recente informe da relatoria especial, publicado em
setembro de 2016, aponta 530 pessoas executadas no país. Em 2015, o número de
execuções foi maior, atingindo entre 966 e 1054 pessoas, uma situação jamais
registrada nos últimos 20 anos, segundo o relator Ahmed Shaheed.
No ano passado, ONGs ligadas à minoria religiosa Bahá’í no Irã já alertavam
que o presidente Hassan Rouhani, eleito em 2013 com uma plataforma menos
conservadora e mais aberta ao cenário internacional, não vinha cumprindo a sua
promessa de campanha de combater a intolerância religiosa no país. Propagandas
contra os adeptos dessa fé têm sido veiculadas livremente na mídia iraniana e
jovens bahá’ís continuam proibidos de ter acesso às faculdades. Para
especialistas em geopolítica, apesar das expectativas, não houve mudanças
substanciais no Irã, porque o atual presidente ainda não transformou o
histórico repressivo do país.
Rouhani foi reeleito em maio de 2017 para um novo mandato de quatro
anos, com 57% dos votos do eleitorado, prometendo a retomada do diálogo com o
Ocidente.
Nota : A República Islâmica do Irã tem uma população de 82,8 milhões de
pessoas, sendo 99% muçulmana ( 89 a 94% xiita e 5 a 9% sunita). O restante 1%
da população é formada pelos bahá’ís ( 300 mil), cristãos (285 mil), zoroastras
(25 mil), judeus (9 mil), Sabean-Mandaeans (mandeísmo) e Yarsanis (yarsanismo),
estes dois últimos sem contagem oficial.
Nota: Em 19 de setembro, Mahvash Sabet foi libertada pelo governo iraniano, após viver nove anos encarcerada.