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Sheila Sacks /
No
final de abril, após o falecimento do papa Francisco e poucos dias antes do
início do conclave para a eleição do novo pontífice, a mídia mundial começou a
divulgar os nomes dos candidatos cotados para o cargo, segundo especialistas do
tema.
Dentre
os nomes aventados para a sucessão, os de dois cardeais italianos foram dos
mais mencionado em várias listas: Pietro Parolin, secretário de estado do
Vaticano, e Matteo Zuppi, arcebispo de Bolonha. Nos resumos de suas biografias,
divulgados pela mídia e que correram o mundo, são citadas as “relações
amigáveis” dos então “"papabili" com o filósofo e Grão-Mestre do
Grande Oriente da Itália, Giuliano Di Bernardo ( que ajudou Parolin, em 2019, ‘a
resolver um problema que teve com o governo chinês’) e, tratando-se de Zuppi,
sua amizade com o escritor, filósofo e Gão-Mestre do Grande Oriente Democrático, Gioele
Magaldi, autor de “Massoni. Società a responsabilità illimitata. La scoperta
delle Ur-Lodges” .
Publicado em 2014, o livro causou polêmica e questionamentos na Itália com revelações sobre a maçonaria, suas ligações com líderes mundiais e o fim do pacto pela globalização. Mais de uma década depois, a obra ainda provoca curiosidade nos leitores que postam comentários e avaliações, em sua maioria positivos, nas diversas plataformas internacionais de venda de livros ou de e-books.
De
acordo com a plataforma de notícias UOL, Magaldi afirmou, em 2010, que “Zuppi
conhecia o mundo do Vaticano bem e que o estimava”. Também destacou que “ele
seria um excelente Papa" (‘Conclave: conheça os cardeais considerados
favoritos ao posto de papa’, em 27/4/2025). Relato semelhante também integra a biografia de Zuppi divulgada
pela plataforma on-line do projeto The College of Cardinals Report, formada por
jornalistas católicos, e está registrado na página da Wikipedia, que cita como
fonte uma entrevista de Magaldi à agência de notícias italiana Adnkronos.
Livro revela poder das
superlojas
Traduzido
para o espanhol em 2017 (Masones: Todos sus secretos al descubierto), o livro teve a parceria da escritora e
jornalista política Laura Maragnani,
autora de dezenas de artigos publicados pelas revistas italianas Panorama e
Europeo.
Face
às revelações explosivas, Magaldi conta que lhe foi oferecido dinheiro e cargos
para que não publicasse o livro. Também sofreu ameaças, mas, segundo ele, “diante
de um mundo mais brutal e sanguinário”, achou necessário divulgar a sua
pesquisa. Na opinião de Magaldi, a única ideologia ainda não totalmente
implantada no planeta é justamente a democracia.
Com
672 páginas, a obra expõe a existência de um nível superior de elite
internacional maçônica, abrigada em 36 superlojas - as ‘ur-lodges’ - secretas e
transnacionais, divididas radicalmente
em conservadoras e progressistas, que reúnem maçons e líderes não iniciados,
dos mais altos escalões da política mundial, das finanças, da mídia, das forças
armadas, serviços secretos, juízes, intelectuais, artistas e lideranças
eclesiásticas.
Essas
centenas de personalidades conhecidas mundialmente, dos mais variados matizes
políticos e até fundamentalistas, se encontram nesses santuários secretos que
Magaldi também nomina, um a um, e atuam independentemente de seus próprios
países em qualquer tomada de decisão relacionada a questões globais. Conforme o autor, as superlojas ditam as suas
condições às estruturas subjacentes de instituições como a União Europeia, o
FMI, Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio e o Clube Bilderberg ,
entre outros.
São
esses núcleos que influenciam fortemente os principais acontecimentos
geopolíticos e a ordem financeira mundial, aí compreendendo as crises
econômicas, as guerras, revoluções políticas e até ataques terroristas. Magaldi
afirma que as “ur-lodges” foram as verdadeiras protagonistas da história do
século 20 e prosseguem em sua trajetória dando as cartas subterraneamente no
cenário global. Políticas públicas e programas econômicos regionais são direcionados
e monitorados por essa rede transnacional de poder, afirma o autor.
Abrindo parênteses para assinalar que, tratando-se de comércio global, a era Trump reforça a sensação de que a globalização está tendo uma ruptura visível. Em 2020, prenunciando essa nova fase, editorial do jornal
italiano Corriere della Sera, já advertia, em sua edição de de 1/11: “Se il presidente Trump vince di
nuovo significa che gli Stati Uniti sono cambiati e gli amici dovranno
prenderne atto (‘Se o presidente Trump vencer novamente, significa que os
Estados Unidos mudaram e seus amigos terão que tomar nota’, em tradução livre).
Trump perdeu em 2021, mas ganhou em 2025.
Pacto pela
globalização
Magaldi escreve que a primeira superloja, a “Thomas Paine”, foi instalada em Londres, em 1849, e
depois muitas foram criadas a partir do término da segunda Grande
Guerra (1939-1945).
Em
1981, e por vinte anos, as “ur-lodges” promoveram
uma paz interna de onde surgiu a globalização. Esse elo foi rompido com os
atentados terroristas em 11 de setembro de 2001, que atingiram as torres gêmeas
do World Trade Center (WTC), em Nova York, e o prédio do Pentágono, sede do
Departamento de Defesa dos EUA, em Washington. Desde então, adverte Magaldi, se
trava uma guerra subterrânea que mexe com o destino do Ocidente. Uma das
superlojas, assinalada pelo autor como “a loja da vingança e do sangue” é a “Hathor Pentalpha”, da qual fazia parte
Bin Laden, morto em 2011. Grupos terroristas como a Al-Qaeda e ISIS (Estado
Islâmico), e suas ligações com as superlojas são citados no livro.
O
autor também critica a mídia que, no geral, confunde as causas com os efeitos
ou se concentra em fatos secundários, mirando grupos e conglomerados
econômicos, dissimulando um cenário que não é o real. Daí a publicação do
livro, segundo Magaldi, centrado nas superlojas e na dinâmica de suas
articulações e ações por trás do renascimento da Europa, depois da 2ª Grande Guerra,
chegando aos escabrosos e significativos eventos da década inicial do século
21, como atentados terroristas e guerras localizadas.
Acesso aos arquivos
Durante
quatro anos Magaldi pesquisou e analisou seis mil documentos e arquivos
originários dessas ”ur-lodges” aos quais teve acesso, em países diversos, com o
apoio de quatro eminentes protagonistas do establishment maçônico mundial que
permanecem ocultos no livro. Para
garantia pessoal, cópias desse material compilado e fotografado pelo autor
foram colocadas sob a custódia de advogados em Londres, Paris e Nova York.
No
livro, Magaldi aborda o “back office” das superlojas nos diferentes eventos
mundiais dos últimos trinta anos do século 20, como a liquidação da União
Soviética, a integração política e econômica da Europa, a reunificação da
Alemanha, a ascensão de Margareth Thatcher no Reino Unido e o fim da Operação
Condor com a democratização da Argentina. Também cita o atentado ao papa João
Paulo II em 1981, na Praça São Pedro, no Vaticano.
No
que toca ao conflito de Israel com os palestinos, ele escreve que a solução se
dará à medida que expoentes moderados dos grupos Al-Fatah e da OLP se integrem
aos círculos maçônicos internacionais. A elite árabe também faz parte das
superlojas, escreve Magaldi, com citações
a príncipes sauditas, líderes iranianos, o sultão de Omã e os emires do Bahrein
e do Catar.
Na
lista dos líderes mundiais vivos integrantes das superlojas estão Emmanuel
Macron, Barack Obama, Vladimir Putin,
Angela Merkel, Christine Lagarde, George
W. Bush, Bill Clinton, Dick Cheney, Tony Blair, Condoleezza Rice, Nicolas
Sarkozy, François Hollande, Tayyip
Erdoğan e Bill Gates, entre
tantos outros citados na obra.
Em
relação aos que já morreram, estão listados Silvio Berlusconi, John Kennedy,
Martin Luther King, papa João XXIII, Nelson Mandela, Antônio Salazar, Franklin
Roosevelt, Deng Xiaoping, David Rockefeller, Gerald Ford, Henry Kissinger, George Bush
(fundador da superloja ‘Hathor Pentalpha’), Abu Bakr Al- Baghdadi, Salvador
Allende, Josef Stalin, Isaac Rabin, Golda Meir, Vladimir Lenin, Augusto
Pinochet, Tancredo Neves, Raúl Alfosín, Hugo Chávez, Gianni Agnelli, Margareth
Thatcher, Zygmunt Bauman, Moshe Dayan, John Keynes e Mahatma Gandhi, entre outros.
Figuras
históricas também são lembradas como Simon Bolívar, José de San Martín, José
Martí e Guiseppe Garibaldi, maçons que mudaram a trajetória dos países da
América Latina.
O “Papa Bom”
Conhecido
como o ‘Papa Bom’, pela simplicidade, humildade e calor humano, João XXIII teve
um pontificado breve, de 1958 a 1963. Nascido na província de Bérgamo, no norte
da Itália, Magaldi relata que como
arcebispo em Istambul, Angelo Giuseppe Roncalli teve sua primeira iniciação
maçônica na “ur-lodge Ghedullah”, em 1940, comprometida com o estudo da Cabalá,
a milenar tradição mística judaica.
Em
1949, em Paris, recebeu sua segunda iniciação na “ur-lodge” progressista
“Montesquieu”. Em 1950, foi iniciado oficialmente como irmão na Ordem Rosacruz.
Os
dados detalhados sobre essas afirmações
se baseiam em uma ampla documentação arquivada na superloja “Ghedullah”. De
acordo com Magaldi, a eleição de Roncalli como papa, em 28 de outubro de 1958,
foi comemorada pelos maçons, individualmente, e pelas superlojas.
Encontro final
Em
uma das resenhas sobre o livro de Magaldi, assinada por Marco Moiso, do círculo
do autor, fica-se sabendo que o último capítulo da obra relata o encontro de
quatro cardeais maçônicos que não têm seus nomes revelados.
Eles
estão à vontade para falar das experiências vividas e expor o papel catalisador
dessas superlojas no cenário mundial. São maçons de idade avançada, muitos
ricos, aristocratas, fundadores de várias “ur-lodges”. Um deles com raízes
americanas e britânicas, um franco-alemão, um árabe-islâmico e outro do Extremo
Oriente.
Entre
os vários temas, os quatro conversam sobre o pacto que uniu as superlojas pela
globalização. E o representante americano da maçonaria neoaristocrática, expõe,
sem papas na língua, as táticas adotadas ao longo do tempo para impor padrões
de uniformização global nas políticas econômicas dos países.
Diz
ele, textualmente: “Para fazer as pessoas aceitarem essas reformas idiotas e
impopulares, você deve assustá-las como faria com as crianças”. Uma afirmação
despida de qualquer disfarce moral e que faz sentido diante da “network”
draconiana de programas governamentais econômicos impostos às populações
globalizadas que restringem ganhos sociais, independente dos países que os adotam.
Em 2015, Magaldi fundou o Movimento Roosevelt na cidade de Perugia, com a participação de 500 membros. A organização, em sua página na Internet, afirma que defende uma sociedade justa contra “impulsos neo-oligárquicos comprometidos com a redução dos direitos humanos, do estado de bem-estar social e da democracia”. Em seu plano de ação, o Movimento defende uma sociedade social-liberal, de acordo com as quatro liberdades enunciadas por Franklin Delano Roosevelt, presidente americano de 1933 a 1945, em seu discurso sobre o após-guerra: liberdade de expressão, liberdade religiosa, liberdade de viver sem penúria e liberdade de viver sem medo.