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sexta-feira, 11 de julho de 2025

Livro sobre a maçonaria que adiantava fim da globalização ainda atrai leitores

/ Sheila Sacks /

No final de abril, após o falecimento do papa Francisco e poucos dias antes do início do conclave para a eleição do novo pontífice, a mídia mundial começou a divulgar os nomes dos candidatos cotados para o cargo, segundo especialistas do tema.

Dentre os nomes aventados para a sucessão, os de dois cardeais italianos foram dos mais mencionado em várias listas: Pietro Parolin, secretário de estado do Vaticano, e Matteo Zuppi, arcebispo de Bolonha. Nos resumos de suas biografias, divulgados pela mídia e que correram o mundo, são citadas as “relações amigáveis” dos então “"papabili" com o filósofo e Grão-Mestre do Grande Oriente da Itália, Giuliano Di Bernardo ( que ajudou Parolin, em 2019, ‘a resolver um problema que teve com o governo chinês’) e, tratando-se de Zuppi, sua amizade com o escritor, filósofo e Gão-Mestre  do Grande Oriente Democrático, Gioele Magaldi, autor de “Massoni. Società a responsabilità illimitata. La scoperta delle Ur-Lodges” .

Publicado em 2014, o livro causou polêmica e questionamentos na Itália com revelações sobre a maçonaria, suas ligações com líderes mundiais e o fim do pacto pela globalização. Mais de uma década depois, a obra ainda provoca curiosidade nos leitores que postam comentários e avaliações, em sua maioria positivos, nas diversas plataformas internacionais de venda de livros ou de e-books. 

De acordo com a plataforma de notícias UOL, Magaldi afirmou, em 2010, que “Zuppi conhecia o mundo do Vaticano bem e que o estimava”. Também destacou que “ele seria um excelente Papa" (‘Conclave: conheça os cardeais considerados favoritos ao posto de papa’, em 27/4/2025). Relato semelhante  também integra a biografia de Zuppi divulgada pela plataforma on-line do projeto The College of Cardinals Report, formada por jornalistas católicos, e está registrado na página da Wikipedia, que cita como fonte uma entrevista de Magaldi à agência de notícias italiana  Adnkronos.

Livro revela poder das superlojas

Traduzido para o espanhol em 2017 (Masones: Todos sus secretos al descubierto),  o livro teve a parceria da escritora e jornalista política  Laura Maragnani, autora de dezenas de artigos publicados pelas revistas italianas Panorama e Europeo.

Face às revelações explosivas, Magaldi conta que lhe foi oferecido dinheiro e cargos para que não publicasse o livro. Também sofreu ameaças, mas, segundo ele, “diante de um mundo mais brutal e sanguinário”, achou necessário divulgar a sua pesquisa. Na opinião de Magaldi, a única ideologia ainda não totalmente implantada no planeta é justamente a democracia.

Com 672 páginas, a obra expõe a existência de um nível superior de elite internacional maçônica, abrigada em 36 superlojas  - as ‘ur-lodges’ - secretas e transnacionais,  divididas radicalmente em conservadoras e progressistas, que reúnem maçons e líderes não iniciados, dos mais altos escalões da política mundial, das finanças, da mídia, das forças armadas, serviços secretos, juízes, intelectuais, artistas e lideranças eclesiásticas.

Essas centenas de personalidades conhecidas mundialmente, dos mais variados matizes políticos e até fundamentalistas, se encontram nesses santuários secretos que Magaldi também nomina, um a um, e atuam independentemente de seus próprios países em qualquer tomada de decisão relacionada a questões globais.  Conforme o autor, as superlojas ditam as suas condições às estruturas subjacentes de instituições como a União Europeia, o FMI, Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio e o Clube Bilderberg , entre outros.

São esses núcleos que influenciam fortemente os principais acontecimentos geopolíticos e a ordem financeira mundial, aí compreendendo as crises econômicas, as guerras, revoluções políticas e até ataques terroristas. Magaldi afirma que as “ur-lodges” foram as verdadeiras protagonistas da história do século 20 e prosseguem em sua trajetória dando as cartas subterraneamente no cenário global. Políticas públicas e programas econômicos regionais são direcionados e monitorados por essa rede transnacional de poder, afirma o autor.

Abrindo parênteses para assinalar que, tratando-se de comércio global, a era Trump reforça a sensação de que a globalização está tendo uma ruptura visível. Em 2020, prenunciando essa nova fase, editorial do jornal italiano Corriere della Sera, já advertia,  em sua edição de de 1/11: “Se il presidente Trump vince di nuovo significa che gli Stati Uniti sono cambiati e gli amici dovranno prenderne atto (‘Se o presidente Trump vencer novamente, significa que os Estados Unidos mudaram e seus amigos terão que tomar nota’, em tradução livre). Trump perdeu em 2021, mas ganhou em 2025.

Pacto pela globalização

Magaldi escreve que a primeira superloja, a “Thomas Paine”, foi instalada em Londres, em 1849, e depois muitas foram criadas a partir do término da segunda Grande Guerra (1939-1945).

Em 1981, e por vinte anos, as “ur-lodges”  promoveram uma paz interna de onde surgiu a globalização. Esse elo foi rompido com os atentados terroristas em 11 de setembro de 2001, que atingiram as torres gêmeas do World Trade Center (WTC), em Nova York, e o prédio do Pentágono, sede do Departamento de Defesa dos EUA, em Washington. Desde então, adverte Magaldi, se trava uma guerra subterrânea que mexe com o destino do Ocidente. Uma das superlojas, assinalada pelo autor como “a loja da vingança e do sangue”  é a “Hathor Pentalpha”, da qual fazia parte Bin Laden, morto em 2011. Grupos terroristas como a Al-Qaeda e ISIS (Estado Islâmico), e suas ligações com as superlojas são citados no livro.

O autor também critica a mídia que, no geral, confunde as causas com os efeitos ou se concentra em fatos secundários, mirando grupos e conglomerados econômicos, dissimulando um cenário que não é o real. Daí a publicação do livro, segundo Magaldi, centrado nas superlojas e na dinâmica de suas articulações e ações por trás do renascimento da Europa, depois da 2ª Grande Guerra, chegando aos escabrosos e significativos eventos da década inicial do século 21, como atentados terroristas e guerras localizadas.

Acesso aos arquivos

Durante quatro anos Magaldi pesquisou e analisou seis mil documentos e arquivos originários dessas ”ur-lodges” aos quais teve acesso, em países diversos, com o apoio de quatro eminentes protagonistas do establishment maçônico mundial que permanecem ocultos no livro.  Para garantia pessoal, cópias desse material compilado e fotografado pelo autor foram colocadas sob a custódia de advogados em Londres, Paris e Nova York.

No livro, Magaldi aborda o “back office” das superlojas nos diferentes eventos mundiais dos últimos trinta anos do século 20, como a liquidação da União Soviética, a integração política e econômica da Europa, a reunificação da Alemanha, a ascensão de Margareth Thatcher no Reino Unido e o fim da Operação Condor com a democratização da Argentina. Também cita o atentado ao papa João Paulo II em 1981, na Praça São Pedro, no Vaticano.

No que toca ao conflito de Israel com os palestinos, ele escreve que a solução se dará à medida que expoentes moderados dos grupos Al-Fatah e da OLP se integrem aos círculos maçônicos internacionais. A elite árabe também faz parte das superlojas, escreve  Magaldi, com citações a príncipes sauditas, líderes iranianos, o sultão de Omã e os emires do Bahrein e do Catar.

Na lista dos líderes mundiais vivos integrantes das superlojas estão Emmanuel Macron,  Barack Obama, Vladimir Putin, Angela Merkel, Christine Lagarde, George  W. Bush, Bill Clinton, Dick Cheney, Tony Blair, Condoleezza Rice, Nicolas Sarkozy, François Hollande, Tayyip  Erdoğan e Bill Gates,  entre tantos outros citados na obra.

Em relação aos que já morreram, estão listados Silvio Berlusconi, John Kennedy, Martin Luther King, papa João XXIII, Nelson Mandela, Antônio Salazar, Franklin Roosevelt, Deng Xiaoping, David Rockefeller,  Gerald Ford, Henry Kissinger, George Bush (fundador da superloja ‘Hathor Pentalpha’), Abu Bakr Al- Baghdadi, Salvador Allende, Josef Stalin, Isaac Rabin, Golda Meir, Vladimir Lenin, Augusto Pinochet, Tancredo Neves, Raúl Alfosín, Hugo Chávez, Gianni Agnelli, Margareth Thatcher, Zygmunt Bauman, Moshe Dayan, John Keynes e Mahatma Gandhi, entre outros.

Figuras históricas também são lembradas como Simon Bolívar, José de San Martín, José Martí e Guiseppe Garibaldi, maçons que mudaram a trajetória dos países da América Latina.

O “Papa Bom”

Conhecido como o ‘Papa Bom’, pela simplicidade, humildade e calor humano, João XXIII teve um pontificado breve, de 1958 a 1963. Nascido na província de Bérgamo, no norte da Itália, Magaldi  relata que como arcebispo em Istambul, Angelo Giuseppe Roncalli teve sua primeira iniciação maçônica na “ur-lodge Ghedullah”, em 1940, comprometida com o estudo da Cabalá, a milenar tradição mística judaica.

Em 1949, em Paris, recebeu sua segunda iniciação na “ur-lodge” progressista “Montesquieu”. Em 1950, foi iniciado oficialmente como irmão na Ordem Rosacruz.

Os dados detalhados  sobre essas afirmações se baseiam em uma ampla documentação arquivada na superloja “Ghedullah”. De acordo com Magaldi, a eleição de Roncalli como papa, em 28 de outubro de 1958, foi comemorada pelos maçons, individualmente, e pelas superlojas.

Encontro final

Em uma das resenhas sobre o livro de Magaldi, assinada por Marco Moiso, do círculo do autor, fica-se sabendo que o último capítulo da obra relata o encontro de quatro cardeais maçônicos que não têm seus nomes revelados.

Eles estão à vontade para falar das experiências vividas e expor o papel catalisador dessas superlojas no cenário mundial. São maçons de idade avançada, muitos ricos, aristocratas, fundadores de várias “ur-lodges”. Um deles com raízes americanas e britânicas, um franco-alemão, um árabe-islâmico e outro do Extremo Oriente.

Entre os vários temas, os quatro conversam sobre o pacto que uniu as superlojas pela globalização. E o representante americano da maçonaria neoaristocrática, expõe, sem papas na língua, as táticas adotadas ao longo do tempo para impor padrões de uniformização global nas políticas econômicas dos países.

Diz ele, textualmente: “Para fazer as pessoas aceitarem essas reformas idiotas e impopulares, você deve assustá-las como faria com as crianças”. Uma afirmação despida de qualquer disfarce moral e que faz sentido diante da “network” draconiana de programas governamentais econômicos impostos às populações globalizadas que restringem ganhos sociais, independente dos países que os adotam.

Em 2015, Magaldi fundou o Movimento Roosevelt na cidade de Perugia, com a participação de 500 membros. A organização, em sua página na Internet, afirma que defende uma sociedade justa contra “impulsos neo-oligárquicos comprometidos com a redução dos direitos humanos, do estado de bem-estar social e da democracia”. Em seu plano de ação, o Movimento defende uma sociedade social-liberal, de acordo com as quatro liberdades enunciadas por Franklin Delano Roosevelt, presidente americano de 1933 a 1945, em seu discurso sobre o após-guerra: liberdade de expressão, liberdade religiosa, liberdade de viver sem penúria e liberdade de viver sem medo.