/ Sheila Sacks /
Elaborado
pela ONG InSight Crime e com o apoio financeiro da União Europeia (UE) foi
lançado em fevereiro a publicação digital El Pacto2.0 que
investiga e mapeia as maiores organizações criminosas da América Latina e
Caribe e suas conexões com o continente europeu.
O relatório
faz parte da segunda fase do Programa EL PAcCTO (Europe Latin America Programme
of Assistance against Transnational Organized Crime ), criado em 2017. Para
essa etapa, o programa de assistência europeia conta com 58,8 milhões de euros
a serem investidos no fortalecimento das capacidades técnicas e operacionais
das instituições envolvidas no enfrentamento das atividades criminosas.
Segundo a InSight
Crime o aumento da produção de cocaína gerou US$ 25 bilhões extras em lucros
para o crime organizado transnacional em 2024, e apesar de outros ilícitos é a
cocaína que sustenta o crime organizado na América Latina, sendo também o seu
maior acelerador.
Foram
classificadas e investigadas as 28 redes criminosas mais ativas e relevantes
que representam alto risco para os países da região. No Brasil, três grupos
foram analisados em suas estruturas e atividades.
Apresentado
por Jeremy McDermott e Steven Dudley - fundadores da ONG, o relatório de mais
de cem páginas teve a cooperação da EMPACT (European Multidisciplinary Platform
Against Criminal Threats) . Os autores são
veteranos pesquisadores sobre organizações criminosas,
com dezenas de artigos publicados na imprensa internacional. McDermott foi
correspondente de guerra na Bósnia e em Beirute, e Dudley é autor do livro
“M-13”, sobre a mais notória gangue dos Estados Unidos, formada, em sua
maioria, por salvadorenhos.
A InSight
Crime, criada em 2010, é uma organização de jornalismo investigativo e
pesquisas, com sedes em Washington e Bogotá. Tem uma equipe de 50 profissionais
pós-graduados em diversas áreas trabalhando nas Américas e Europa no sentido de
aprofundar o debate sobre o crime organizado e a segurança do cidadão. É
apoiada pela Thomson Reuters Foundation, uma instituição com sede no Reino
Unido que oferece assistência jurídica à mídia investigativa de diversas partes
do mundo.
Ameaça
global
Na
introdução, o estudo alerta para o crescimento das conexões entre as redes
criminosas latino-americanas e europeias, principalmente as que lidam com o
tráfico de drogas, ouro e de pessoas, e o fortalecimento dessas alianças que se
constituem uma ameaça global em nível de geopolítica. Diferente dos anos 1980,
os grandes cartéis agora operam com subcontratações de grupos para funções ou
fases específicas, ajustando-se e garantindo a não interrupção do fluxo de
ilícitos quando pressionados ou atacados por Forças de Segurança.
É fato que
as organizações criminosas usam estruturas de corporações legais para ocultar
as operações ilícitas e de lavagem de valores. De acordo com a Europol, agência
europeia de cooperação policial para combate ao crime e terrorismo, com sede em
Haia, de 2021 a 2024 subiu de 71% para 86% o número de empresas fantasmas
criadas por esses grupos criminosos que operam na Europa.
Em relação
aos países da América Latina e Caribe, essas redes criminosas representam a
maior ameaça à democracia na região, segundo os autores do relatório. Isso
porque se utilizam da corrupção e do suborno para se introduzirem na estrutura
do Estado e são o principal motor de homicídios e de abusos contra os direitos
humanos. Prejudicam o desenvolvimento e a estabilidade econômica, distorcem as
economias, afastam os investimentos e afetam o financiamento internacional na
região.
Ilícitos no
Brasil
No mapa do
crime, o Brasil aparece com três organizações criminosas: Primeiro Comando da
Capital (PCC), Comando Vermelho (CV) e Tren de Aragua, originária da Venezuela
e presente também no Paraguai, Bolívia, Chile, Peru e Colômbia. Mas, conforme
estudo divulgado em 2024 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), são
72 facções criminosas operando no país provocando com sua carteira de ilícitos
prejuízos estimados em R$ 453,5 bilhões. O Brasil é o segundo maior consumidor
de cocaína do mundo, vindo depois dos Estados Unidos.
O relatório
faz um histórico sobre cada organização criminosa, detalhando sua geografia e
atividades ilícitas. Sobre o PCC, que ocupa duas páginas, é informado que a
sede fica em São Paulo e que surgiu nos anos 1990, através de detentos em
presídios como grupos de autoproteção. O informe, que detalha as atividades da
organização e a atuação-resposta do Estado, destaca que 30 mil homens
fazem parte de sua estrutura. Sobre a conexão que mantém com outras redes
internacionais, são apontadas o Cartel de Sinaloa, do México (considerado pelo
governo dos Estados Unidos o maior e mais poderoso cartel de tráfico de drogas
do mundo), a Ndrangheta italiana, da Calábria, e a máfia albanesa que opera na
Albânia, no sudeste da Europa.
Sobre o
Comando Vermelho (CV), os autores relatam que o grupo surgiu nos anos de 1970
em um presídio no Rio de Janeiro, da união de criminosos com militantes da
esquerda presos pela ditadura militar (1964-1985). Assinalam que em 2002 o CV
chegou a formar uma aliança com o PCC, mas que essa situação se desfez em 2016.
Este ano,
depois de quase uma década de conflitos, as facções ensaiaram uma trégua que
durou apenas dois meses. O objetivo do acerto seria flexibilizar as regras do
sistema prisional e atuar em conjunto nas duas principais rotas de tráfico do
país: a rota caipira, que começa na Bolívia e vai até o porto de Santos, e de
lá para Europa e África; e a rota do Solimões, que transporta drogas pela
floresta amazônica, através dos rios Solimões e Amazonas.
O Brasil é
uma das principais rotas de trânsito da cocaína em direção à Europa, e a
Colômbia é o maior produtor de cocaína do mundo. Em 2023, a produção naquele
país teve um aumento de 53% em relação a 2022, alcançando 2.664
toneladas, conforme relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e
Crime (Unodc, na sigla em inglês).
O terceiro
cartel é o Tren de Aragua, pouco
divulgado pela mídia nacional e que nasceu em uma penitenciária da Venezuela. É
formada por 4 mil membros. O cartel pratica contrabando, tráfico de drogas,
extorsão e sequestro. É responsável principalmente pelo tráfico de migrantes
para a América do Sul. Em 2024, face à crescente preocupação com o potencial de
ameaça do grupo, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos designou o Tren
de Aragua como uma organização criminosa transnacional.
Em 22 de maio,
com o intuito de reforçar a cooperação para o combate aos cartéis criminosos, o
secretário-geral da Interpol (International Criminal Police Organization),
Valdecy Urquiza, esteve em Brasília e se reuniu com representantes das polícias
de onze países da América do Sul. O encontro ocorreu quinze dias depois de o governo brasileiro recusar
o pedido do Departamento do Estado americano para designar o PCC e o CV como
organizações terroristas. A notícia foi reportada pelo jornal britânico The
Guardian ( Brazil rejects US request to designate two gangs as terrorist
organizations), em 7/5.
Cartéis na
Europa
Em relação à
União Europeia, formada por 27 países, o Informe Europol de 2024 (Decoding the
EU’s Most Threatening Criminal Networks) identificou 821 redes criminosas de
alto risco que operam no continente e que dispõem de 25 mil membros. Suas
atividades envolvem tráfico de drogas e armas, fraudes, delitos contra a
propriedade, tráfico de migrantes, falsificações, ciberdeliquência, crimes
contra o meio ambiente e extorsão.
Os países
com maior incidência de grupos criminosos e ações ilícitas (segundo a Global
Initiative Against Transnational Organised Crime - GITOC) são a Rússia,
Ucrânia, Itália, Sérvia, Montenegro, Espanha e Bielorrúsia.
Na América
Latina e Caribe, a Colômbia lidera o ranking, seguida do México, Paraguai,
Equador, Honduras, Panamá, Brasil e Venezuela. De acordo com relatório de 2024
do Unodc, o número de pessoas que usam drogas aumentou em 20% em relação à
década anterior, somando 292 milhões de usuários em 2022.
Em termos de
crimes financeiros globais, o Relatório Nasdaq 2024 (Global Financial Crime
Report) estima que em 2023 mais de três trilhões de dólares em fundos ilícitos
fluíram através do sistema financeiro global servindo para atividades de
lavagem de dinheiro e outros crimes destrutivos, incluindo US$ 782,9 bilhões em
atividades de tráfico de drogas, US$346,7 milhões em tráfico de seres humanos e
US$11,5 milhões em financiamento do terrorismo. Além disso, as perdas por
golpes fraudulentos e esquemas de fraudes bancárias totalizaram US$485,6
milhões provocando uma série de danos devastadores em todo o mundo.
Diretora executiva da Europol, Catherine De Bolle, natural da Bélgica, chama a atenção para o novo DNA do crime organizado. “As redes criminosas evoluíram para empresas criminosas globais, movidas pela tecnologia, explorando plataformas digitais, fluxos financeiros ilícitos e instabilidade geopolítica para expandirem sua influência. Elas estão mais adaptáveis e mais perigosas como jamais estiveram.
(atualizado em maio/25)