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quinta-feira, 8 de agosto de 2024

No Brasil, lei estabelece o Dia Nacional da Lembrança do Holocausto

 

A data será celebrada anualmente em 16 de abril, dia em que faleceu Luiz Martins de Souza Dantas, em 1954, diplomata brasileiro que atuou na Europa para salvar pessoas ameaçadas pelo nazismo, emitindo vistos para que centenas de judeus pudessem entrar no Brasil. 

Sheila Sacks

A iniciativa dos ex-deputados Jorge Silva e Sergio Vidigal, apresentada na Câmara em 2017, ambos do estado do Espírito Santo, obteve no senado parecer favorável do senador Carlos Viana, de Minas Gerais, presidente da Frente Parlamentar Brasil-Israel no Senado, criada em 2019, e um dos raros congressistas brasileiros a visitar Israel após o ataque terrorista de 7 de outubro.

"Ao relembrar os horrores do Holocausto, educamos as gerações mais jovens sobre a importância do respeito aos direitos humanos, da tolerância e da diversidade. Ao dedicar um dia para a lembrança e reflexão, reafirmamos o compromisso com a verdade histórica e a necessidade de combater a desinformação. Isso é crucial para preservar a integridade dos fatos históricos e garantir que as futuras gerações tenham acesso à verdade”, afirma Viana.

Aprovada na Comissão de Cultura do Senado, em 25 de junho, sob a presidência do senador Flávio Arns, do Paraná, a lei foi sancionada um mês depois, em 29 de julho, pela presidência da República, e publicada no Diário Oficial da União no dia seguinte, 30/7, na página 1, sob o nº 14.938, com as assinaturas do presidente da República e do Ministro de Direitos Humanos e da Cidadania:

“LEI Nº 14.938, DE 29 DE JULHO DE 2024

Institui o Dia Nacional da Lembrança do Holocausto.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Esta Lei institui o Dia Nacional da Lembrança do Holocausto, a ser comemorado, anualmente, no dia 16 de abril.

Art. 2º Fica instituído, no calendário das efemérides oficiais, o Dia Nacional da Lembrança do Holocausto, a ser comemorado, anualmente, no dia 16 de abril.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 29 de julho de 2024;

203º da Independência e 136º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Silvio Luiz de Almeida”

 Canais oficiais

Além de uma razoável veiculação na mídia, a criação da data mereceu matérias especiais nos portais digitais do Senado e da Câmara dos Deputados, agência GOV e Ministério de Direitos Humanos (30 e 31/7), todas ressaltando a intenção da celebração no sentido de “honrar a memória das vítimas e provocar reflexões sobre as lições aprendidas com a Segunda Guerra Mundial, que ocorreu entre 1939 e 1945”.

Os textos também exaltam o heroísmo de Souza Dantas e a razão dos autores da proposição da lei não seguirem a data oficial estipulada pela ONU (27/1) por coincidir com as férias escolares no Brasil. A data celebrada em Israel, o Yom HaShoah, em 27 do mês de nissan no calendário hebraico, também foi mencionada.

Em janeiro, a plataforma de notícias israelense Ynet, o canal online do jornal Yedioth Ahronoth, o maior do país, já adiantava que o estabelecimento de um Dia Nacional Brasileiro em Memória do Holocausto envolveu um extenso trabalho da embaixada israelense no Brasil, chefiada pelo embaixador Daniel Zonshine, e da Associação de Amizade Israel-Brasil.

Emitindo vistos

Nascido no Rio de Janeiro, Souza Dantas foi nomeado embaixador na França em 1922, onde permaneceu até 1944. Entre junho e dezembro de 1940, o diplomata emitiu mais de mil documentos e cerca de 500 vistos para judeus, refugiados e pessoas perseguidas pelo regime hitlerista, sem seguir os trâmites burocráticos oficiais. Proibido pelo governo de Getúlio Vargas de conceder qualquer tipo de visto diplomático, a partir de 1 de janeiro de 1941, ainda assim Souza Dantas driblou a ordem governamental emitindo passaportes com datas anteriores à proibição. Em 2003, ele recebeu o título de Justo entre as Nações pelo Estado de Israel.

No livro “Quixote nas Trevas” (2002), o historiador Fábio Koifman apresenta uma lista com os nomes de todas as pessoas salvas pelo diplomata enquanto trabalhava na embaixada brasileira em Paris. Tema da tese de mestrado de Koifman, o livro foi uma das bases para o processo de premiação de Dantas pelo Museu do Holocausto, em Israel. São cerca de 800 nomes, dentre os quais 425 judeus, que ele ajudou a escapar do extermínio.

Em 2020, o livro de Koifman foi traduzido para o espanhol sob o título “Souza Dantas: Justo entre las Naciones”, em uma iniciativa conjunta da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG), veiculada ao Ministério das Relações Exteriores, em parceria com a Embaixada do Brasil em Buenos Aires e a Delegação de Associações Israelitas Argentinas (DAIA). A obra está digitalizada, desde 2022, no site da Fundação.

Em outra obra, “Souza Dantas e a França ocupada” (2008),também publicada e digitalizada pela FUNAG, através de seu Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD), o embaixador Álvaro da Costa Franco realizou uma compilação de documentos e correspondências redigidos por Souza Dantas no período de 1940 a 1942.   Na introdução – O diplomata e o homem - , é revelado que Dantas se casou tardiamente, em 1933, aos 57 anos, com uma viúva nascida nos Estados Unidos, Eliza Stern (Meyer, de solteira), de ascendência judaica, proveniente de uma família de industriais e banqueiros, cuja irmão comprou o jornal Post, que se transformou no influente Washington Post.

Costa Franco ressalta, porém, que o fato não influenciou o espírito humanitário de Dantas. “Seu comportamento para com os perseguidos do nazismo não foi, portanto, um ato isolado, nem se deve atribuí-lo às relações com o mundo israelita, decorrentes da origem de sua mulher. Terá brotado do fundo de um sentimento que lhe era natural. Foi o mais significativo e expressivo de sua generosidade, pelas circunstâncias e pelo número de pessoas a quem socorreu, confirmando apenas, numa grande escala, seu espírito humanitário.”

Data nacional


Segundo a enciclopédia do Museu do Holocausto de Washington, a data de 27 de janeiro foi escolhida pela ONU como o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto porque marca a liberação do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, ocorrido naquele dia, em 1945.

A Resolução 60/7, de 1º de novembro de 2005, também rejeita qualquer tipo de negativa da existência do Holocausto. Além da celebração oficial da ONU, muitos países criaram seus próprios dias de lembrança, os quais são frequentemente conectados aos eventos do Holocausto.

A Argentina estabeleceu o dia 19 de abril, o dia da revolta do gueto de Varsóvia, como o “Dia Nacional da Diversidade Cultural”.  A Hungria celebra o dia 16 de abril como o “Dia Nacional de Lembrança do Holocausto”, relembrando a data do estabelecimento do gueto de Munkács pelos nazistas, ocorrido em 1944.  Nos Estados Unidos, o congresso estabeleceu, em 1979, o “Dia de Lembrança”, que usualmente acontece entre o mês de abril e o início de maio, para celebrar as vítimas do regime nazista, em data que corresponde ao Yom HaShoah em Israel.

No Brasil, com a iniciativa do Congresso Nacional, a lembrança do Holocausto se incluirá no calendário oficial de celebrações e acontecimentos importantes da nação, propiciando eventos e atos públicos, seminários e debates em ambiente escolar, universidades e em instituições de cultura e de cidadania.