por Sheila Sacks
Em 2004, por ocasião dos festejos do centenário do grande templo de
Roma, o papa João Paulo II (1920-2005) enviou uma carinhosa mensagem à
comunidade judaica romana, a mais antiga da Europa Ocidental, lembrando a
presença milenar dos judeus naquela cidade, que remonta ao século 1 antes da
Era Comum. Endereçada ao rabino-chefe de Roma, Riccardo Di Segni, o papa
destacou “o profundo laço que une a Igreja com a Sinagoga”, lembrando que ambas
as religiões “compartilham, em grande parte, das Escrituras Sagradas, da
liturgia e de antiquíssimas expressões artísticas.”
No documento, publicado pelo site católico “Zenit”, João
Paulo II se dirige aos judeus de Roma como seus “irmãos prediletos” na fé de
Abraão, o patriarca, fazendo referência às figuras bíblicas de Isaac, Jacob,
Sara, Rebeca, Raquel e Lia. “Veja como é bom, como é agradável os irmãos
conviverem juntos – “Hineh ma tov uma na’im shevet achim gam yachad” (Salmo
133), assinala o pontífice em hebraico. Mais adiante, ele acrescenta que “o
majestoso Templo Maior, na harmonia de suas linhas arquitetônicas, eleva-se há
100 anos sobre as margens do rio Tiber como testemunho de fé e de louvor ao
Onipotente”.
Construída entre 1901 e 1904, a grande Sinagoga de Roma está instalada
no antigo gueto judaico, na Via Catalana, ao lado do pitoresco bairro de
Trastevere, e foi concebida pelos arquitetos Vicenzo Costa e Osvaldo Armanni.
Faz parte do seleto grupo das 25 mais belas sinagogas do mundo, segundo a
revista americana “Complex”, especializada em design e estilo.
Terror ataca
A relação entre João Paulo II e a sinagoga de Roma pontuou de forma
singular e dramática a história do século 20. Em 1986, o sumo pontífice tomou a
iniciativa de atravessar os portões do templo tornando-se o primeiro papa em
quase dois mil anos a visitar uma sinagoga e chamar os judeus de “nossos amados
irmãos mais velhos”. Pondo de lado o protocolo, João Paulo II deu um
abraço emocionado no então rabino-chefe Elio Toaff (atualmente com 99 anos),
falando aos presentes, por várias vezes, em hebraico.
A emblemática visita do papa funcionou como uma espécie de contraponto à
tragédia que se abateu sobre a comunidade judaica de Roma, quatro anos antes, a
mais chocante desde a Shoah (a palavra hebraica para o holocausto, significando
calamidade), quando 1.259 judeus romanos foram deportados em trens pelas forças
nazistas (em 16 de outubro de 1943) para as câmaras de morte de Auschwitz. A
essa ferida jamais cicatrizada veio se juntar mais uma, desta vez representada
pelo horrendo atentado terrorista que atingiu a sinagoga, em 9 de outubro de
1982, matando um menino de dois anos, Stefano Gay Taché, e deixando mais de
três dezenas de feridos, muitos deles com gravidade.
Na ocasião, a imprensa relatou o banho de sangue que marcou aquela manhã
de sábado, quando se realizavam as rezas do ”shabat” e se
comemorava o término de “Sucot” (a festa das cabanas que
lembra as tendas usadas pelos hebreus nos 40 anos que vagaram pelo deserto de
Sinai, depois do êxodo do Egito). O “Diário ABC”, da Espanha, publicou na
primeira página: “O templo estava repleto de crianças e adolescentes para uma
benção especial naquele sábado. Pouco antes do meio-dia, dois homens se
acercaram de uma das entradas da sinagoga e renderam o segurança. Eles entraram
na sinagoga portando cinco granadas, conseguindo explodir duas. As pessoas
começavam a sair naquele momento. Os terroristas sacaram de suas mochilas
metralhadoras e iniciaram o tiroteio. Outros dois terroristas se uniram aos
primeiros para completar a carnificina. Terminada a operação,
abandonaram o lugar em dois automóveis”.
Sem punições
Em 2012, ao se completarem 30 anos da tragédia, o líder da comunidade judaica de Roma, Riccardo Pacifici, manifestou o seu desapontamento ao presidente Giorgio Napolitano, visto que o atentado, transcorrido tanto tempo, não tinha sido esclarecido e nem os culpados punidos. “Por que naquele dia, e somente naquele dia, não havia presença policial em frente à sinagoga?”, perguntou Pacifici em sua missiva ao presidente.
Semanas antes do atentado, o rabino Toaff tinha protocolado uma
solicitação ao Ministério do Interior para que reforçasse a segurança em torno
da sinagoga durante os feriados judaicos de Rosh Hashaná (ano novo), Yom Kipur
(dia do perdão) e Sucot, que acontecem em sequência, nos meses de setembro e
outubro. Mas, o pedido não foi considerado, apesar do clima de antissemitismo
reinante no país, estimulado principalmente pela imprensa e políticos que
criticavam o governo de Israel pelo conflito com militantes da OLP no sul do
Líbano.
A presença e o acolhimento em Roma do líder da OLP, Yasser Arafat
(1929-2004), também estimulou os simpatizantes da causa palestina a se sentirem
mais à vontade para atacar alvos judaicos, o que já havia ocorrido em junho
daquele ano, com sindicalistas arremessando um caixão na frente da
sinagoga. Recebido como chefe de estado pelo então presidente Sandro
Pertini (1896-1990), na residência oficial de Quirinal, Arafat teve igualmente
um encontro no Vaticano com o papa João Paulo II em 15 de setembro, três dias
antes das comemorações do Rosh Hashaná.
Ambiente hostil
No livro “Attentato alla sinagoga”, lançado em 2013, os autores Arturo
Marzano, pesquisador do Departamento de História e Civilização do Instituto
Universitário Europeu de Florença, e Guri Schwarz, professor assistente do
Departamento de História da Universidade da Califórnia (UCLA), buscam os
antecedentes políticos, sociais e históricos que estariam na raiz do ataque
terrorista ao templo de Roma, concluindo que o conflito israelense-palestino foi
o pivô da tragédia. Para os autores, a Guerra dos Seis Dias, em 1967, que
resultou na fuga de milhares de palestinos para a Jordânia, Líbano, Síria e
outros países fronteiriços, repercutiu negativamente de forma evolutiva contra
Israel ao longo de duas décadas, atingindo os judeus da Diáspora.
Marzano e Schwarz também destacam o papel da imprensa italiana de
esquerda que, em 1982, censurava sistematicamente as ações das forças de defesa
de Israel instaladas no Líbano (cujo objetivo era impedir os ataques contínuos
dos grupos da OLP contra o território israelense). O episódio nos campos de
refugiados de Sabra e Shatila, em setembro daquele ano, quando cristãos
maronitas libaneses mataram centenas de palestinos em represália ao assassinato
do presidente eleito do país, Bashir Gemayel, morto em um atentado com
carro-bomba que vitimou 26 pessoas, radicalizou ainda mais os discursos contra
Israel que ocupava militarmente a área.
“Ecos dessas tensões contaminaram a sociedade civil”, avaliam os
pesquisadores. “O maestro Daniel Oren (nascido em Israel e atual diretor do
Teatro Municipal Guiseppe Verdi, em Salerno) foi insultado enquanto regia um
concerto no Teatro San Carlo, em Nápoles; em Turim, um jovem foi surrado porque
usava um colar com a estrela de David; e em 1º de outubro, uma bomba explodiu
no escritório da comunidade judaica de Milão”. Em paralelo, um grupo de
intelectuais judeus, tendo à frente o escritor e sobrevivente de Auschwitz,
Primo Levi (1919-1987) – laureado em 1979 com o mais prestigioso prêmio
literário da Itália (Premio Strega) pelo livro “A Chave Estrela” -
assina um manifesto a favor da retirada de Israel do Líbano, gerando um
profundo mal estar entre a comunidade judaica composta de 35 mil membros, a
metade residente em Roma.
Comentando a obra de Marzano e Schwarz para o diário “Il Foglio”, o
escritor e jornalista Guilio Meotti classificou o trabalho como uma “viagem
sobre a desumanização de Israel” empreendida por jornalistas e intelectuais no
período que antecedeu o atentado. No artigo intitulado “Pogrom Italiano”
(25.05.2013), Meotti, que é o autor de “A New Shoah” (Um Novo Holocausto), um
livro que conta as histórias pessoais de israelenses vítimas do terrorismo na
Terra Santa, cita as palavras do psicanalista Antonio Semi, membro da Societá
Psicoanalitica Italiana (SPI), estampadas na primeira página do
jornal “Il Gazzettino”, de Veneza, logo após o ataque: “Se eu fosse judeu
nos dias de hoje, na nossa Europa civilizada, eu teria medo.”
Reações iniciais
Também o renomado arquiteto Bruno Zevi (1918-2000), autor do projeto do pavilhão da Itália na exposição de Montreal em 1967 (Expo 67) - a maior feira mundial do século 20 -, foi a Câmara Municipal de Roma para tornar pública a revolta e a indignação que tomaram de assalto a comunidade judaica. Corajosamente, ele desautorizou a mídia na sua tentativa de se solidarizar com os judeus, usando o subterfúgio de dissociar o judaísmo do antissionismo. “Não vamos aceitar uma distinção maniqueísta entre judeus e israelenses. Nós pertencemos ao povo de Israel que inclui as comunidades espalhadas em todas as partes do mundo, começando com a mais antiga, a de Roma, e aquelas que retornaram à terra de seus antepassados.”
Professor universitário e autor de vários livros sobre arquitetura, Zevi
foi um político atuante, eleito deputado para o parlamento de Roma (1987-1992).
Precedendo seu discurso, publicado na íntegra pelo
diário conservador “Il Tempo”, a juventude judaica lançou um duro
manifesto acusando frontalmente a imprensa (inclusive citando ‘Il Corriere
della Sera’, o jornal de maior circulação do país), o presidente da
Itália, Sandro Pertini (1896-1990), e até João Paulo II, que abriu as portas do
Vaticano para receber o líder de um movimento que agrupava terroristas (ao todo
o papa se encontrou 12 vezes com Arafat).
O empresário Dario Coen era estudante na época e encabeçou o movimento.
O folheto se iniciava ironicamente com a palavra “Grazie” (obrigado), em alusão
à sistemática campanha dos principais jornais do país contra o estado de
Israel, e a anuência de políticos e personalidades públicas a esse cenário de
hostilidade. O manifesto destacava que Pertini e o ex-primeiro ministro Guilio
Andreotti (1919-2013) receberam Arafat nas residenciais oficiais com honras de
chefe de estado, uma afronta para os judeus italianos. E concluía, de forma
peremptória: “Não precisamos de palavras de compaixão.”
Fuga e Impunidade
Mas, a indignação com o atentado sensibilizou toda a Itália e o então
representante da OLP no país, Nemer Hammad (atualmente conselheiro político de
Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina - ANP) se apressou
em negar qualquer ligação com o ataque terrorista. Porém, as investigações
policiais apontaram para a organização terrorista “Junho Negro” comandada por
Abu Nidal (1937-2002), uma facção radical da OLP. Os retratos-falados dos
terroristas permitiram assegurar que pelo menos um dos atiradores, o palestino
Abdel Osama al-Zomar, era conhecido pelas polícias dos países europeus como
integrante do movimento Fatah-Conselho Revolucionário (Fatah-CR), de Nidal.
Também o depoimento da namorada italiana de al-Zomar reforçou esse
envolvimento.
Preso no norte da Grécia, ainda em 1982, quando dirigia um carro repleto
de explosivos em direção à Turquia, al-Zomar passou 40 meses na prisão
cumprindo pena por esse delito e também por esconder uma arma em sua cela. Em
1988, o governo grego autorizou a deportação do terrorista para a Líbia do ditador
Muamar Kadafi (1942-2011), apesar de o governo italiano ter pedido a extradição
do terrorista, três anos antes. Condenado à prisão perpétua na Itália, a Grécia
quebrou o acordo de entregá-lo à polícia italiana e expulsou al-Zomar para “um
país de sua escolha”, segundo as notícias da época. O terrorista, então com 27
anos, desapareceu na Líbia e até os dias atuais seu paradeiro é desconhecido.
Em entrevista ao “Corriere Della Sera”, em outubro de 2011, Gadiel
Taché, de 33 anos, irmão do pequeno Stefano, morto no atentado à sinagoga,
lamentava o pouco empenho demonstrado todos esses anos pelo governo italiano no
sentido de exigir de Kadafi a extradição do terrorista e de outros membros do
grupo. Ele, que ficou gravemente ferido no ataque, dizia esperar que com a
morte do ditador líbio ocorrida naquele mês, as autoridades italianas
intensificassem a petição junto ao novo governo de Trípoli e reconhecessem
oficialmente o irmão como uma vítima do terrorismo e “parte da consciência
histórica da Itália” (em 9 de maio de 2012, o presidente Giorgio Napolitano
incluiu Stefano nessa categoria).
Revelações
Grades e guaritas cercam a sinagoga de Roma |
O “Acordo Moro” também foi reconhecido por Bassam Abu Sharif, assessor
particular de Arafat e atual porta-voz de imprensa da OLP, em reportagem do
“Corriere della Sera”, em agosto de 2008. Apelidado de “o rosto do terror” pela
revista americana “Time”, Sharif era membro da Frente para Libertação da
Palestina (FPL) e foi responsável por uma série de sequestros de aviões de
passageiros em aeroportos europeus, nos anos 1970. Ele contou que as
organizações palestinas operavam livremente em território italiano e por sua
vez não atacavam alvos nacionais na Itália e fora do país, desde que não cooperassem
com o estado de Israel.
O “acordo”, porém, não abrangia os judeus italianos e nem os alvos
judaicos na Itália. Francesco Cossiga, que faleceu dois anos após a entrevista,
acreditava que a política de preservar a Itália de ataques terroristas ainda
continuava valendo. “A Itália tem um acordo com o Hezbollah”, afirmou o
ex-presidente ao jornal, “e a UNIFIL (sigla em inglês para as ‘Forças Interinas
das Nações Unidas no Líbano’ que atuam na região) fecha os olhos ao processo de
rearmamento do grupo, desde que não sejam realizados ataques contra os seus
contingentes”. O Hezbollah é uma organização islâmica extremista que age no
Líbano, catalogada como terrorista pelos Estados Unidos e países europeus.
Mantém estreita ligação com o Irã e a Síria e prega a eliminação do estado de
Israel.
Ecumenismo e
memória
Voltando ao papa João Paulo II, em 25 de janeiro de 1983, com a
comunidade judaica ainda traumatizada pela tragédia na sinagoga, ocorrida três
meses antes, João Paulo II promulga um novo Código Canônico que entre os seus
itens mais importantes destaca o esforço que a Igreja deve consagrar ao
ecumenismo. Documento especial enviado a Diocese de Roma orientava para que os
sermões não contivessem “qualquer forma ou vestígio de antissemitismo”, recomendando
também “uma redescoberta das nossas raízes judaicas”.
Anteriormente, João Paulo II já havia se reunido com delegados das
conferências episcopais para normatizar as aulas de catolicismo, chamando a
atenção para o comportamento a ser adotado. “Seria necessário conseguir que
este ensino nos diferentes níveis de formação religiosa, na catequese dada às
crianças e adolescentes, apresentasse os judeus e o judaísmo, não somente de
maneira honesta e objetiva, sem nenhum preconceito e sem ofender ninguém, mas também,
e mais ainda, com uma viva consciência da herança comum a judeus e cristãos”
(Roma, 6 de março de 1982).
Quinze anos depois, com 78 anos, o papa faz uma espécie de mea-culpa, em
nome da Igreja, publicando o documento intitulado “Nos Lembramos: Uma reflexão
sobre a Shoah” (1998). Ele admite que a perseguição do nazismo contra os judeus
pode ter sido facilitada por preconceitos antijudaicos presentes nas mentes e
nos corações dos cristãos. João Paulo escreve: “No termo deste milênio, a
Igreja católica deseja exprimir a sua profunda tristeza pela faltas dos seus
filhos e das suas filhas em todas as épocas.” E prossegue: “A inumanidade com
que os judeus foram perseguidos e massacrados neste século supera a capacidade
de expressão das palavras. E tudo isto lhes foi feito só porque eram judeus.”
Também reconhece o preconceito arraigado que se estende pelos séculos. “Em
tempos de crise como carestias, guerras e pestes ou de tensões sociais, a
minoria judaica foi muitas vezes tomada como bode expiatório, tornando-se assim
vítima de violências, saques e até mesmo massacres.”
O documenta ressalta o “dever da memória” e conclama para um “futuro
comum” entre judeus e cristãos. “Pedimos que a nossa tristeza pelas tragédias
que o povo judaico sofreu no nosso século leve a novas relações com esse povo.
Desejamos transformar a consciência dos pecados do passado em firme empenho por
um novo futuro, no qual já não haja sentimento antijudaico entre os cristãos,
nem sentimento anticristão entre os judeus, mas sim um respeito recíproco
compartilhado, como convém àqueles que adoram o único Criador e Senhor e têm um
comum pai na fé, Abraão.”
Vale lembrar que João Paulo II também foi vítima de um atentado
terrorista na Praça de São Pedro, no Vaticano, em 13 de maio de 1981. O turco
Mehmed Ali Agca atirou três vezes contra o sumo pontífice em meio à multidão
que estava no local para saudar o primeiro papa polonês da história (teses
conspiratórias surgiram ao longo do tempo envolvendo países do bloco soviético
descontentes com a posição do papa favorável aos sindicalistas do movimento
polonês “Solidariedade”, do líder Lech Walesa).
Sensação de medo
Desde 1984, e após 16 séculos, a Itália se tornou um estado de
pluralismo religioso com o acordo entre a Santa Sé e a república italiana que
aboliu o privilégio de o catolicismo ser uma “religião de Estado”. Com a
instituição da liberdade religiosa, presente na Constituição, italianos e
imigrantes de todos os credos ganharam mais segurança para praticarem a sua fé
(atualmente a Itália abriga 1,5 milhão de muçulmanos). Entretanto, no caso
específico da pequena comunidade judaica, qualquer visitante mais atento pode
notar o temor e a insegurança que seus membros ainda sentem em relação à grande
sinagoga de Roma.
Foi o que percebi ao me aproximar de uma família no antigo bairro judeu
de Roma. A relutância em indicar a localização do templo e os olhares
desconfiados dirigidos à sacola que eu portava, não deixavam dúvidas. No
prédio, guardado por duas guaritas, o ingresso somente é autorizado após uma
minuciosa revista. Enfim, uma sensação de medo que sobrevive à tragédia de
1982, resistindo ao tempo em sua inquietude por uma justiça que, efetivamente,
não se concretizou.
Gadiel Taché, que viveu o pesadelo de perder o irmão e sofrer mais de
trinta cirurgias, lamenta que um véu de silêncio ambíguo e estranho ainda
acoberte o episódio. Anualmente, a comunidade judaica relembra a data fatídica
e clama por esclarecimentos e a prisão dos envolvidos. Ao escolher um sábado, o
“shabat”, o dia mais santificado da semana (‘Santificar o Shabat’ ou ‘Shamor et
Yom HaShabat’, como determina o 4º mandamento), os terroristas premeditaram uma
ação visando atingir uma simbologia sagrada e um grande número de fiéis. Porque
como preceituava o rabino e teólogo Abraham Heschel (1907-1972), que perdeu a
família na “Shoah”, os sábados são as catedrais do povo judaico.
E explicava a razão: “Durante os seis dias da semana, vivemos sob a
tirania das coisas do espaço. O sábado nos coloca em sintonia com a santidade
do tempo. Neste dia somos chamados a participar no que é eterno no tempo, a nos
voltar dos resultados da criação para o mistério da criação, do mundo da
criação para a criação do mundo.”
O sábado das orações e das bênçãos que,
lamentavelmente, naquela manhã outonal, não ecoaram em toda a sua glória nos
céus de Roma.