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quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Não é só Ahmadinejad que nega o Holocausto

por Sheila Sacks 

 Em 2006, a cidade de Munique viveu dias de glória com a realização do primeiro jogo da Copa do Mundo da Alemanha. Um estádio monumental – o Allianz Arena - que custou quase 400 milhões de dólares, serviu de cenário para a estréia do time da Casa. O antigo estádio olímpico, aquele do atentado aos atletas israelenses, em 1972, ficou apenas como palco de um movimentado concerto ao ar livre.

O escocês Kevin Macdonald, autor do premiado documentário “On Day in September” (Oscar da categoria, em 2000), que aborda o sequestro e a morte por um comando terrorista dos 11 atletas israelenses, justificou de maneira contundente o motivo que o levou a realizar o filme: “De alguma forma o Massacre de Munique foi uma transgressão inominável, a destruição de um ideal de paz e fraternidade”. Seu produtor, John Battsek, foi mais adiante: “A investigação para o documentário revelou uma história de mistério, conspiração, tragédia, inépcia e terror”. 

  Amigo de Hitler era presidente do Comitê Olímpico Internacional 

Frente a tal enunciado, comecemos com a performace do Comitê Olímpico Internacional. A entidade era presidida, em 1972, pelo norte-americano Avery Brundage (1887-1975), o mesmo que nas Olimpíadas Nazistas de Berlim, em 1936, havia rejeitado a proposta dos Estados Unidos de boicotarem a competição, em razão dos atletas judeus alemães estarem proibidos de participar. Brundage tinha sido presidente do Comitê Olímpico dos Estados Unidos, era um entusiasta do regime nazista e amigo de Hitler.

Nascido em Detroit, esse engenheiro e desportista que foi o único norte-americano a presidir o Comitê Olímpico Internacional, convenceu os seus patrícios a participarem da competição e, em troca, a sua empresa de engenharia recebeu um cheque em branco para construir a embaixada da Alemanha em Washington. Três décadas depois, em uma dessas coincidências lamentáveis, esse mesmo Brundage, na cerimônia realizada no dia seguinte à tragédia, preferiu se calar sobre o assassinato dos atletas israelenses. Em seu discurso apenas exaltou o espírito dos Jogos e anunciou que a festa não ia parar.

  Abu Mazen, da Autoridade Palestina, recolheu recursos para o massacre 

Há exatos dez anos, uma autobiografia intitulada “Palestine: From Jerusalém to Munich” revelou mais detalhes do ataque à Vila Olímpica. Publicada na França, em 1999, seu autor é Mohammed Oudeh (Abu Daoud), um dos mentores confessos do Massacre de Munique. 

No livro ele admite que o Setembro Negro era o nome-fantasia adotado pelos membros do Fatah, quando dos ataques terroristas. Daound também descreve como Yasser Arafat e o atual presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas (Abu Mazen) - o homem encarregado de levantar os recursos para a viabilização da operação – desejaram-lhe boa sorte e o beijaram no momento em que ele finalizou os preparativos para o ataque, que vitimou um total de 17 pessoas. 

  Tese de doutorado de Abu Mazen questiona o Holocausto 

Sobre Mahmoud Abbas, vale reproduzir um item de seu histórico escolar: em 1982, dez anos depois do atentado terrorista, ele concluiu seus estudos na Universidade de Moscou, obtendo o título de PhD em História Oriental. A tese de seu doutorado questiona e nega os números do Holocausto e inclui uma fantástica aliança entre nazistas e líderes sionistas, durante a II Guerra Mundial, com o intuito de exterminar todos os judeus da Europa. A fantasia mal-intencionada travestida de “investigação histórica” intitula-se “O Outro Lado: As secretas relações entre o Nazismo e o Movimento Sionista”.

 Ainda acerca do líder palestino, em 2003 a Organização israelense de Direitos Humanos Shurat Hadin Israel Law Center - que dá assistência jurídica aos judeus vítimas de atos terroristas e os representa nos fóruns internacionais - enviou cartas ao então presidente Bush e ao Chanceler Gerhard Schroeder, conclamando as autoridades norte-americanas e alemãs a abrirem uma investigação, em seus territórios, contra Mahmoud Abbas por suas comprovadas ligações com o Setembro Negro, principalmente na função de recolhedor de fundos para prover atos terroristas, como o de Munique. A ação teria consistência jurídica já que um dos atletas assassinados também tinha cidadania norte-americana e um policial alemão foi morto na operação. 

  Terroristas se abrigavam no centro islâmico de Munique

Em um artigo no Wall Street Jornal, em 2007, o jornalista Ian Jonhson, após consultar arquivos oficias nos Estados Unidos, Inglaterra, Suíça e Alemanha, afirmou que a cidade de Munique, há várias décadas, havia se tornado o centro irradiador de uma organização radical denominada Fraternidade Muçulmana (Muslim Brotherhood), banida do Egito por Gamal Abdel Nasser, nos anos 50. Quase todos os acusados de atos terroristas tinham, algum dia de suas vidas, passado por Munique e pelo seu centro islâmico. 

Essa intimidade entre a cidade alemã e os muçulmanos, segundo Jonhson, tinha se iniciado à época de Hitler, depois da invasão à União Soviética, quando o regime nazista deu uma guinada das mais espertas, transformando um milhão de soldados muçulmanos dos países da Cortina de Ferro, aprisionados em combate, em aliados e amigos do Reich. Inclusive uma dessas brigadas formada por muçulmanos foi destacada para a Polônia, onde teve participação ativa na aniquilação do Gueto de Varsóvia, em 1943. Depois da guerra, esses combatentes nazistas se instalaram em Munique e acolheram a organização Fraternidade Muçulmana de braços abertos, sendo responsáveis pela fundação, em 1958, do Centro Islâmico de Munique. 

Um ano depois, participantes do Congresso Muçulmano Europeu selaram o pacto de tornar a capital da Baviera um pólo de convergência para todos os muçulmanos residentes na Europa. Um dos cléricos (imam) mais atuantes do Centro Islâmico de Munique foi Nurredin N. Nammangani, nascido no Uzbakistão e que serviu nas fileiras de Hitler, mais especificamente na organização paramilitar SS. Durante décadas (faleceu na Turquia em 2002) ele mesclou religião e anti-semitismo em suas prédicas às centenas de colegiais e universitários muçulmanos de várias partes da Europa. Outros membros da cúpula do Centro de Munique citados na reportagem também tiveram ligações documentadas com os nazistas, de acordo com a pesquisa do jornalista norte-americano. 

 Para o historiador alemão Stefan Meining, o Centro Islâmico de Munique está na base de uma ampla rede que se ramificou silenciosamente pelo resto do mundo, a partir do fim da II Grande Guerra, difundindo um radicalismo a favor da “guerra santa”, que simplesmente não existia antes da II Guerra Mundial. O encontro da teoria nazista com o fundamentalismo religioso da Fraternidade Muçulmana foi o responsável pelo nascimento da figura híbrida e aterradora do terrorismo moderno, uma das grandes tormentas que o mundo ocidental tem enfrentado. “Se você quer entender a estrutura política do Islã, você tem que se debruçar sobre o que aconteceu em Munique”, alerta o historiador. 

  Islamismo antissemita tem origens nazistas

Outro estudioso alemão, o cientista político Matthias Kuntzel, também relaciona a Fraternidade Muçulmana com as ideologias extremistas da jihad (guerra santa) dos grupos Fatah, Hamas, Hezbollah e al-Qaeda. Em seu trabalho intitulado “O Islamismo antissemita e as suas origens nazistas”, Kuntzel destaca que até 1930 a doutrina islâmica tradicional não pregava o ódio aos judeus e nem falava em guerra santa. 

Posteriormente, a doutrina absorveu o marketing da propaganda nazista e antissemita européia, recebeu o apoio financeiro e estratégico de Hitler - que financiou as lideranças islâmicas ligadas à Fraternidade Muçulmana (fundada em 1920) - e promoveu atos de terror, morte e perseguição aos judeus no Egito e na Palestina, ainda sob o Mandato Britânico. Slogans do tipo “Judeus fora da Palestina e do Egito” e “Morte aos Judeus” eram parte do arsenal de intimidação da Fraternidade que, após ser expulsa do Egito, se transferiu para a capital da Baviera. 

  Até Bento XVI considera difícil conciliar o islamismo com a modernidade 

Em setembro de 2005, o Papa Bento XVI – que doutorou-se em Teologia pela Universidade de Munique - coordenou um seminário privado em sua residência de verão, em Castelgandolfo, com religiosos e estudiosos do Islamismo. O encontro gerou polêmica porque o jesuíta norte-americano Joseph Fessio, declarou, em entrevista, meses depois, que o papa tinha dito que o Islamismo e a modernidade (democracia) não eram conciliáveis. 

Imediatamente, dois outros participantes do seminário se apressaram em desmentir a afirmação, declarando que não foi bem isso que o Papa quis dizer. Segundo estas fontes, o Papa havia considerado a conciliação do Islamismo com a modernidade muito difícil, mas não impossível. É importante lembrar que o atual papa foi Arcebispo de Munique entre 1977 e 1981, e como tal fica difícil imaginar que não tenha tido contato com a liderança da Fraternidade Muçulmana do Centro Islâmico ou que não soubesse das atividades que lá ocorriam. 

Segundo o jornalista do Ásia Times, Spengler, pode parecer estranho que o Papa precise “sussurrar” quando demonstra concordância com a opinião dos muçulmanos tradicionais de que a profecia do Corão é imutável e que portanto não pode ser reformada. Diante disso, Spengler deduz que, se o Islamismo é incapaz de mudar, estamos todos caminhando para uma guerra de civilizações. 

  Experiência muçulmana em Munique se espalhou para outras cidades 

Por sua vez, o subdiretor do Instituto de Pesquisa de Contraterrorismo de Washington, Lorenzo Vidini, foi a partir de Munique que os muçulmanos conquistaram a Europa. O modelo pioneiro implantado em Munique, com uma rede de mesquitas, centros de apoio, grupos de estudos e organizações sociais espalharam-se pelo continente. “Enquanto resguardados por quatro paredes eles incitavam à guerra; para o mundo exterior o discurso era outro, com retórica moderada, e dessa forma, a Fraternidade ganhou força e aceitação política na Alemanha”. 

Hoje, o país tem 3,8 milhões de muçulmanos e estatísticas dão conta que, anualmente, 800 alemães se convertem ao Islamismo. Neste crescendo populacional também se inclui a comunidade judaica que, surpreendentemente, já atinge a cifra de 100 mil pessoas, constituindo-se a terceira maior da Europa. A queda do Muro de Berlim, em 1989, e a derrocada da União Soviética, em 1991, estimularam o êxodo. 

  Curso de Estudos Islâmicos e Judaicos promove o entendimento 

Com as fronteiras abertas, os judeus do Leste Europeu esqueceram a cautela e se instalaram na Alemanha, com uma sem-cerimônia que tem provocado arrepios em muitos historiadores e sobreviventes do Holocausto. Mas, não em todos. Um exemplo é o professor israelense Menahem Ben-Sasson, ex-reitor da Hebrew University, que deu aulas na Universidade de Munique. Especialista em História Judaica da época medieval islâmica, ele participou do programa promovido pela Allianz Group, uma das maiores seguradoras do mundo, com sede em Munique. O projeto patrocina o “Curso de Estudos Islâmicos e Judaicos”, alternando professores judeus e muçulmanos, a cada semestre.

Ben-Sassom conta que alguns colegas o criticaram quando ele resolveu aceitar o convite. Entretanto, o professor diz que se sentiu bem à vontade em seu trabalho e que inclusive usava a kipá quando transitava pelas ruas da cidade. Um avanço de tirar o chapéu, considerando que há pouco mais de sessenta anos, ser judeu em Munique era dispor de um passaporte para o inferno. Foi em seus arredores que funcionou o primeiro campo de concentração da Alemanha – Dachau – onde os judeus e outras minorias foram cobaias de abomináveis experiências ditas científicas.