por Sheila Sacks
Pouco mais de dois meses nos separam do
ano anterior e já estamos navegando, nesse início de 2017, rumo ao alto mar de
tempos incertos. Acontecimentos se atropelam, comportamentos refluem,
prioridades se desorganizam e a humanidade repete caminhos já percorridos
atolada em um confuso emaranhado de percepções e sentimentos ilusórios acerca
de hipotéticos novos desafios que batem à sua porta.
Titãs mundiais perseveram nas palavras
e gestos teatrais e manipulatórios nos quais a verdade não é um item primordial
e, portanto, submerge nos embates ancorados por megainteresses transnacionais.
Monopólios econômicos, políticos e doutrinários devidamente dissimulados e
blindados perpetuam jogos pirotécnicos, promovendo expectativas de tempos
melhores que não se confirmam. Megalíticos e insuperáveis em sua abrangência e poder.
Nesse
ambiente real de cartas marcadas e posições estratificadas – dissociado e
dissonante das fantasias midiáticas que alimentam narrativas de liberdade
individual e de autossuficiência - sociedades e governos tentam interagir na
organização e administração das nações no sentido da preservação de um pacto
civilizatório que possa
manter o trato formal de boa convivência com seus pares.
Um universo de imposições e ações com
frequencia apartado dos valores éticos sociais e dos contornos de conduta de
milhares de organizações mundiais criadas para fazer valer o escrito das boas
intenções e que na prática são ignoradas e atropeladas por sangrentos conflitos
civis, incongruentes incidentes diplomáticos, atos insanos de terrorismo e,
notadamente, pela descabida presunção e cega intolerância que conduz as guerras
entre países.
Jogo de palavras
No século 21, o estado de Israel é um
exemplo de nação cuja situação peculiar permanece ainda pouco compreensível
para grande parte da população mundial. Na mídia não faltam artigos tentando
explicar, de um lado, as “imprecisões e omissões” dos que atacam o país, e em
oposição, as supostas “verdades sobre israelenses e palestinos”. Títulos de
dois textos antagônicos publicados pelo jornal “O Globo”, na primeira semana de
janeiro, seguidos de uma tréplica, a favor de Israel, onde o termo “verdades”, um
tanto pretensioso, é substituído pela palavra “fatos”, que sugere algo mais pé
no chão, mais afeto à realidade.
Diferente de temas caros ao maior e
mais influente matutino carioca - como o agronegócio que dificilmente é questionado
em suas vertentes de desigualdade em seus painéis de opinião - o estado de
Israel é um tópico recorrente em suas páginas, com apreciável destaque (similar
ao que acontece nos jornais “Folha de São Paulo” e “O Estado de São Paulo”), principalmente
quando o país é posto em um patamar negativo sob o prisma internacional ou
sofre sanções e restrições.
Imediatamente pipocam na imprensa as naturais
manifestações individuais ou de representantes da comunidade judaica brasileira
que ao abrirem espaço na mídia para a defesa de Israel automaticamente também
escancaram aos seus antagonistas espaços iguais e valiosos para as
contestações repetitivas de clichês que esses diálogos pós-verdade produzem:
a sensação de que apelos à emoção e a crenças pessoais repercutem de maneira
mais eficaz na opinião pública do que a correta apresentação de fatos
objetivos.
No apagar das luzes

Ghivelder também alerta para um detalhe
que faz toda a diferença, já que no âmbito palestino existem hoje dois estados
distintos, um na Cisjordânia, sob a administração do Fatah, e a outro na Faixa de
Gaza, dominado pelo Hamas. E indaga: “Com quem, então, negociar?”.
Com a agravante de que o grupo extremista na Faixa de Gaza continua armazenando
mísseis e construindo túneis para atacar Israel.
Outro ponto lembrado pelo jornalista
foi a proibição por Israel de novos assentamentos, logo no início do governo
Obama, em 2009. Resultado: durante os dez meses em que isso ocorreu não houve
avanço nas negociações de paz entre as partes. Quanto ao retorno às fronteiras
de 1967, variante ressuscitada irresponsavelmente, de tempos em tempos,
Ghivelder aponta um fato inconteste em matéria de segurança nacional: o
afunilamento da faixa territorial israelense resultaria em tragédia porque em
questão de minutos o país seria cortado ao meio no caso de uma invasão.
No campo das “omissões”, Guivelder se
utiliza de um argumento-padrão bastante usual entre os que apoiam Israel que é
o de apontar outras situações geopolíticas complicadas que também mereceriam
reprimendas das grandes potências ocidentais. Esse tipo de comparação se
constitui em uma armadilha se analisado pela perspectiva ética de que um
provável mal não justifica outro. Diante da opinião de Kerry que julga
“inaceitável” a presença de Israel no território palestino, o articulista cita
a ocupação do Tibete pela China e a presença da Rússia na Crimeia, Chechênia e
leste da Ucrânia, situações que têm passado ao largo do censor crítico do ex-secretário
americano, segundo o analista.
Mão de obra barata

Culpando a direita e a extrema-direita
que comandam Israel pelo impasse que inviabiliza a solução de dois estados,
Alsamh afirma que todos os palestinos e árabes querem “um Estado palestino
independente na Cisjordânia e em Gaza, com Jerusalém Oriental como a sua
capital”. Para o jornalista árabe não é verdade que Israel está rodeada de
inimigos como justificam as autoridades israelenses. “Israel já tem acordos de
paz com o Egito e a Jordânia. E tem relações camufladas com quase todos os
países do Golfo”, afirma Abou-Alsamh, citando a visita de uma delegação não
oficial de empresários e acadêmicos sauditas que se encontraram com membros do
parlamento (Knesset), em julho de 2016.
Diante dessa visão cor de rosa e
simplista de que Israel exagera em sua paranoia de segurança, o jornalista
evoca a iniciativa de paz árabe de 2002, em que todos os países árabes
reconheceriam o estado de Israel, mas com a condição de que os israelenses se
retirassem de todos os assentamentos e de Jerusalém Oriental, e até indenizassem
os palestinos que saíram de Israel por vontade própria. Com essas iniciativas, de
acordo com o articulista, “os ataques contra israelenses cairiam
dramaticamente” (“Verdades sobre israelenses e palestinos”, em 6/1/2017).
A esse respeito, Ghivelder lembra que
com a implantação do estado de Israel, em 1948, milhares de judeus tiveram que
deixar os países árabes onde viviam há várias gerações. “A rigor, quem vai
compensar os 800 mil judeus, homens, mulheres e crianças que foram expulsos dos
países árabes naquele mesmo ano?”
Exemplo de Gaza

No tocante às barreiras de proteção, Rosenberg
lembra que o trânsito era livre “até que os palestinos passaram a aproveitar essa
liberdade para enviar dezenas de homens-bomba para explodirem-se em ônibus,
restaurantes e universidade de Israel”. E cita a presença de quase dois milhões
de árabes vivendo no país com plenos direitos de cidadãos, enquanto palestinos
advogam um futuro estado palestino “livre de qualquer judeu”.
Considerando que a Cisjordânia é parte
da história bíblica judaica, região originalmente conhecida como Judeia e
Samaria, soa como uma intransigência descabida a não permissão aos judeus de
continuarem morando nesses locais. Daí a demanda israelense nesse sentido em
qualquer negociação de paz, associada à questão da segurança nacional. ”Enquanto
os israelenses não estiverem seguros de que um futuro Estado palestino não será
usado como plataforma para ataques a Israel, como já acontece em Gaza, não
haverá chance de acordo”, prevê o representante da Fierj.
Guardião do povo judeu
Encerrando o singular ciclo opinativo sobre
Israel e a temática judaica, o cônsul honorário de Israel no Rio de Janeiro,
Osias Wurman, na véspera do Dia Internacional em memória das vítimas do
Holocausto (26.01.2017), reforçou a tese de que “se houvesse o Estado de Israel
na época (da Alemanha nazista), o genocídio não aconteceria” (“A ONU e o
Holocausto”, em 26/1/2017). Ainda que pese a comprovada ignorância de
considerável parcela da humanidade acerca do assassinato em massa de seis
milhões de judeus. “Uma pesquisa global
realizada em 2014, já mostrava que 46% dos entrevistados nunca tinham ouvido
falar de Holocausto!”, alerta Wurman.

Por fim, a posição oficial do governo
israelense é explicitada mais uma vez de maneira peremptória: “Nada que a ONU
ou a Unesco propuseram através de resoluções que ignoram as raízes judaicas
existentes nas cidade de Jerusalém e nas bíblicas Judeia e Samaria fará com que
o sonho de dois estados convivendo lado a lado possa ser concretizado.”
Em resumo, quatro textos de bom calibre
que apenas reforçam ideários, posições e propostas já consagradas, de ambos as
partes. Agora é imaginar se alguma coisa mudou na cabeça do leitor comum, que
não é judeu, em relação a Israel e ao conflito com os palestinos. Ou a finalidade era outra?
Um adendo pós-matéria: O cineasta Cacá
Diegues que escreve regulamente aos domingos em “O Globo” e já emitiu críticas
ácidas ao poder dos judeus em Hollywood, mudou o disco e abordou de maneira
simpática a presença dos judeus no emblemático filme “Casablanca” (“Sempre
haverá Casablanca”, em 12/3/2017). Isso se deu em face de um livro recém-lançado, escrito por um judeu, que conta os bastidores do filme. Importante:o
livro lhe foi ofertado pelo jornalista Zevi Ghivelder. Um tipo de iniciativa
que talvez surta mais efeito do que mil argumentos entrincheirados em confortáveis bunkers.