
“O bom jornalista é aquele que consegue me fazer dizer o oposto do que eu disse sem mudar minhas palavras.” (Slavoj Zizek, filósofo)
Publicado no site "Observatório da Imprensa" http://observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed706_dilma_na_contramao_da_noticia
Se continuar a valer a máxima da língua inglesa sobre critérios de noticiabilidade, as notícias ruins ainda são as boas notícias para os profissionais das redações. O jargão bad news is good news, porém, não circula sozinho. Por extensão e complementando o ditado jornalístico, a boa notícia também não seria considerada notícia (good news is no news), pois a negatividade ainda permanece como um dos fatores mais atrativos a imprimir “valor” (no sentido de interesse público e potencialidade) à notícia. Fato já observado e analisado pelos cientistas sociais noruegueses Johan Galtung e Mari Holmboe Ruge em seu estudo-referência “The Stuctures of Foreign News”, nos idos de 1965.
Recentemente, duas informações com altas doses de negatividade foram veiculadas pela mídia: uma, quantificando o montante anual de negócios do crime organizado internacional, algo em torno de 870 bilhões de dólares, segundo relatório divulgado pelo escritório da ONU Sobre Drogas e Crimes (UNODC, na sigla em inglês); e a outra, revelando os números da sonegação no país, calculados em cerca de 520 bilhões de dólares (mais de 1 trilhão de reais) não declarados à Receita Federal e depositados ilegalmente em bancos no exterior, nos chamados “paraísos fiscais”, de acordo com estudo realizado pela organização inglesa Tax Justice Network.

Em relação à primeira notícia, é dito ao leitor que a cifra de 870 bilhões de dólares, o equivalente a mais de 1,7 trilhão de reais, representa mais de seis vezes o total destinado ao desenvolvimento dos países, igual a 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial (“Crime Internacional gera US$ 870 bi” – O Globo, em 17/7/2012). O estudo do UNODC destaca que o tráfico de drogas e a pirataria comercial são os carros-chefes dos ilícitos penais e têm nos países do Cone Sul, e principalmente no Brasil, mercados cada vez mais promissores. Relatórios anteriores desse escritório internacional já apontavam que a indústria da droga no Brasil movimenta 5 bilhões de dólares por ano (320 bilhões de dólares no mundo) e que o país é o maior mercado de cocaína da América do Sul, com 890 mil usuários (em 2008).
Por meio da segunda notícia fica-se ciente de que o Brasil detém a quarta posição no ranking mundial de dinheiro expatriado para bancos de países que operam à margem da legislação e incentivam a sonegação de impostos. Perdendo apenas para os chineses, russos e coreanos, essa fortuna não declarada de brasileiros, avaliada em mais de 1 trilhão de reais, grande parte advinda de ilícitos e da corrupção, corresponde a mais de 17 vezes o orçamento de 2012 do governo federal para o Plano Brasil Sem Miséria (que pretende tirar 16 milhões de brasileiros da extrema pobreza até o fim de 2014). Ou a metade de todos os recursos do PAC 2 (Programa de Aceleração do Crescimento), o projeto de modernização das infraestruturas do país, nos quatro anos do governo de Dilma Rousseff (“R$ 1 trilhão em paraísos fiscais” – Correio Braziliense, em 23.07.2012).
Questionamentos

As explicações tornaram-se necessárias face à reportagem de O Globo que, de forma investigativa, denunciava que o Bolsa Família estava pagando mais de dois salários mínimos de benefício, segundo dados obtidos pelo jornal através da Lei de Acesso à Informação (“Bolsa Família já registra benefício de até R$1.332”, em 26/6/2012). Diante do que parecia ser mais um escândalo a se avizinhar na esfera governamental, o leitor viu-se surpreendido ao verificar, lendo o parágrafo abaixo da manchete, que o tal benefício se referia a uma única família de brasileiros composta de 19 pessoas. Uma exceção no Brasil de hoje, onde as famílias são menores, segundo o pesquisador do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marcelo Neri. Para ele o governo acertou no foco porque a taxa de pobreza das crianças é 7,8 vezes maior que a dos idosos.
