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domingo, 17 de maio de 2009

Os Jardins de Varsóvia

por Sheila Sacks
(premiado no Concurso literário da Hebraica-Rio em 2004)

E vieram dias de tragédia e horror...

Abril já finda
e o frio ainda habita,
ariano e tirano,
os canteiros dos jardins
de Varsóvia.

Pelas ruas estreitas do gueto,
cidadela espúria e sem lei,
o sangue e a revolta
tingem portas e janelas.

É abril de 43
(poucos agora lembram),
mês de liberdade
e milagres,
tempo de quebrar as algemas,
fugir do Egito
e iniciar a viagem.
Mês de ver o mar
abrir os braços
e o pão cair do céu
como uma graça.

Na rua Mila
a batalha explode.
O gueto está em chamas
e as pessoas tombam,
sob as lanças do faraó.
A luta não dá trégua,
pelotões se sucedem
fazendo valer a força
das bombas e canhões.
Aos gritos,
a ordem é cumprida à risca,
pelos soldados do apocalipse.

De casa em casa,
de esquina em esquina,
o mensageiro da morte
estampa a sua escrita sinistra:
“Que do gueto não reste
viva alma
para contar a história.”

Mas o gueto resiste,
teimoso insiste
em não se entregar.
Nos porões, esgotos, bueiros e telhados,
a guerrilha se mostra
atrevida,
destemida.
Os insurretos,
combatentes da última trincheira,
emergem como praga
fazendo estragos,
somando perdas e danos
aos filhos do tirano.

Pouco sobrou
nesse abril de 43,
do viçoso bairro
de sacadas floridas,
livrarias, cafés e teatros.
O gueto é uma praça
de guerra,
terra arrasada por gafanhotos
e sapos.
Um cemitério de almas
inquietas,
insepultas,
que vagam céleres
à procura de um porto seguro.

No quartel da rua Mila
a hora é de despedida.
Os jovens trocam abraços,
se desejam sorte.
Daqui por diante
é cada um por si
e Deus por todos.
Na voz do comandante
Anielewicz,
os insurretos ouvem
a última mensagem:
- Ano que vem
em Jerusalém!

Portando fuzis
e granadas,
o grupo se dispersa
pelos esconderijos
e ruelas.

Era abril de 43
(muitos vão lembrar),
mês de liberdade
e milagres.
Tempo de refazer
a longa travessia,
de se pôr na dianteira,
pés nas areias
com Moisés e Aarão.
Mês de aprumar
os ombros,
manter o rifle atento
e o coração aceso,
porque muito além do gueto
e dos jardins de Varsóvia,
uma aliança é firmada,
um destino é selado
na imensidão do Sinai.

Além, muito além
dos jardins de Varsóvia.